Monday, January 11, 2010

Ratos


Era uma vez um monte de ratos. E milhões de acontecimentos que roem as ocasiões. Era uma vez um monte de ratos roendo as roupas dos reis falastrões. E um monte de ratos, os mesmos roedores de sempre, cuspindo pro alto. Era um círculo de um monte de eras. E era uma vez moças também. Os ratos tinham a imensa liberdade de se hipocrisar por aí, sem ao menos se importar quem iam espezinhar. Os ratos, muitos casados com moças, fazendo carinho nos pés de outras moças, juravam não se importar. Se o rato roesse o pé da moça, ela seria uma vaca. Ou uma galinha. E mais um monte de outros nomes que os ratos parados comentam no calor da Zona Norte, sentados num bar qualquer, vendo a rataiada passar. São todos muito orgulhosos. E tem vezes que os ratos avançam e as moças respiram fundo. E tem dias que ninguém respira, nem mesmo eles.
Era uma vez muitos ratos em volta de muitas moças. Ratos olham pras moças e nada ali pode exprimir a solidão que sentem. Se os olhos dos ratos fossem tão verdadeiros quanto os corações das moças, de ratos, eles passariam a ser moços, como alguns que existem por aí. A verdadeira solidão de quem mora no bueiro, desacreditado, fazia carinho. Conversinhas e tititis e as moças, sentadas, vendo tudo de longe. A cerveja, o cigarro, o fedor que rondava a mesa, pois ratos fedem quando se comunicam. Era quase um insulto, depois foi-se descobrir que o pior defeito dos ratos é, na verdade, motivo de lágrimas. Por isso as moças se entristeceram. Pobres ratos que, no auge de sua mais profunda solidão, roem a poesia que os circulam. Pobres ratos são aqueles que dão às moças bom-dia. Bom-dia, querendo lhes dizer: quero ser seu. Só seu. Me abrace, sou um rato estúpido e coitado. Mas as moças não entendem. (Faz de conta que os ratos fossem das vacas, das galinhas e que nada pudesse mais me dar pena. Nem as caras dos ratos ofendidos, tamanha minha alegria.)

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